logo-a-verdade.svg
Felgueiras
Leitura: 9 min

Natação: Felgueirense Francisca Martins: ouro, prata e um sonho olímpico

Aos 22 anos, a residir em Margaride, Felgueiras, Francisca Martins inscreveu definitivamente o seu nome na história da natação portuguesa.

Redação

No dia 23 de julho, nos Jogos Mundiais Universitários Rhine-Ruhr 2025, realizados em Berlim, conquistou a medalha de ouro nos 400 metros livres, com um novo recorde nacional — 4:07.50 minutos —, superando a sua própria marca anterior. Foi um triunfo decidido ao centésimo, deixando para trás as norte-americanas Erin Gormsen (4:07.64) e Lillie Mattes (4:09.88).

A estudante de Economia na Universidade do Minho, que representa também o clube Foca Quinta da Lixa, não se ficou por aqui: já tinha arrecadado a prata nos 800 metros livres, com o tempo de 8:30.76. Duas medalhas numa só competição, para a atleta que desde cedo mostrou não ter medo de desafios.

De regresso a casa, Francisca viveu dias intensos. Entre receções, entrevistas e manifestações de apoio, confessa que conseguiu “voltar à terra” rapidamente. “Percebi logo o significado do que tinha conquistado", afirma. "Estes dias em casa têm sido incríveis. Sentir o apoio das pessoas dá-me a certeza de que vale a pena lutar pelos meus sonhos”, conta, ainda com a emoção recente. As palavras chegam medianas, sem exagero — o tom é de quem sabe medir forças e responsabilidades, mas também saborear o momento.

O equilíbrio entre a vida académica e a exigência do desporto de alto rendimento é, para Francisca, uma realidade complexa. Aluna de Economia, explica que, em Portugal, sente que é o desporto a ter de se adaptar ao ciclo letivo: “Não há a possibilidade de ser ao contrário. Eu tenho conseguido conciliar relativamente bem as duas coisas para uma atleta de alto rendimento, mas não é fácil".

"Quando estou fora de Portugal, em estágio ou competições, sinto um ‘atraso’ grande na matéria lecionada que depois é difícil de recuperar.” A resposta revela a tensão permanente entre aulas e treinos — e a necessidade de sacrifício que acompanha quem tenta manter ambas as frentes no máximo rendimento.

No plano competitivo e psicológico, Francisca salienta o trabalho mental como peça chave. “Um dos principais desafios, no meu caso, foi ultrapassar algumas barreiras mentais que tinha. O trabalho mental é tão importante como o treino físico e isso é algo que tenho vindo a melhorar nos últimos anos, nas várias competições internacionais que participo, com a ajuda indispensável do Dr. Jorge Silvério”, refere. 

É uma referência explícita a um apoio técnico que, nas palavras da própria, tem sido determinante para transformar resultados e confiança.

A intensidade competitiva não parou em Berlim. Pouco depois, Francisca seguiu para Singapura para competir no Mundial absoluto — um calendário apertado que exigiu preparação muito cuidada. “A preparação física foi definida entre mim, os meus treinadores Simão e Filipe Marinho e o Dr. Jaime Milheiro. Começámos por gerir o sono durante os voos de ida para Singapura, de modo a tentar replicar o fuso horário de lá e foi muito bem conseguido esse processo. Após isso, toda a adaptação à piscina, alimentação e sono foram bem conseguidas, de forma natural ao longo dos dias, com a ajuda e feedbacks do meu treinador Simão, que me acompanhou durante todo este tempo”, descreve Francisca.

O pormenor da gestão do sono mostra como a logística e a ciência do desporto se misturam ao talento — pequenos cuidados que fazem a diferença quando as provas surgem tão próximas.

Questionada sobre o orgulho de representar Portugal — e sobre se sente, já, a responsabilidade de servir de inspiração a outros atletas —, Francisca adopta um tom bem medido: “O orgulho superou tudo. É sempre uma honra enorme, para mim, representar Portugal. Adoro o nosso país e, quando estou com as quinas ao peito, tento dar o melhor de mim para as dignificar! Não sinto muito essa responsabilidade. Eu tento fazer tudo como acho que deve ser e de forma correta e verdadeira e se há outros atletas a olhar para mim como um exemplo, eu fico muito feliz.” A resposta conjuga humildade e consciência do papel público que as vitórias trazem.

Sobre conselhos para os jovens nadadores, a mensagem é prática e direta: “Na natação, a disciplina é a característica mais importante num atleta. É um desporto muito exigente em termos de horas de treino e é necessário estar tranquilo e mentalizado disso mesmo".

"Além disso, penso que acreditar no trabalho que estão a desenvolver é fundamental para o futuro de um atleta. Por vezes, os resultados não aparecem de um momento para o outro, mas o importante é acreditar que vai acontecer e não deixar de trabalhar para isso”, considera ainda.

Do lado da equipa técnica, o treinador Simão Marinho traça um retrato de evolução contínua. Recorda o primeiro recorde nacional da nadadora — em julho de 2022, nos 200 m livres em piscina longa — e sublinha que, desde então, a progressão tem sido constante: “A Francisca bateu o seu primeiro Recorde Nacional em julho de 2022, nos 200m Livres – Piscina Longa. Desde então a evolução tem sido constante e todas as épocas tem conseguido evoluir as suas marcas (Recordes Nacionais) piscina curta ou em piscina longa ou em ambas. Tem trabalhado com afinco e consistentemente sobre esse objetivo, o de melhorar as suas marcas pessoais, só assim poderá continuar a aproximar-se à elite Europeia e Mundial.”

Para Simão, a transição de promessa a realidade consumada já aconteceu: “Considero que a Francisca já passou de uma promessa e passou a ser uma afirmação. Estou convicto de que já é uma das melhores nadadoras de sempre da natação portuguesa. O seu currículo, as suas conquistas internacionais, principalmente nas principais competições, falam por si.”

E, sobre o carácter que alimenta esse percurso, sublinha qualidades humanas e de rotina: “Trabalhadora, disciplinada, resiliente e humilde. Três pilares fundamentais para conseguir ter sucesso seja em que modalidade for. É uma nadadora que neste momento vive o seu dia-a-dia de forma descontraída, não é demasiado obcecada por determinados objetivos, confia no trabalho que realiza e acredita sempre que esse lhe trará o resultado desejado.”

A mensagem pública do treinador é de orgulho e encorajamento: “Que continue a ser uma inspiração para as pessoas que a rodeiam e conhecem. É com orgulho e gratidão que falo da Francisca enquanto atleta e enquanto pessoa. É a prova viva que com trabalho e dedicação tudo é possível.”

No plano imediato, Francisca tem objetivos ambiciosos: a qualificação para os Jogos Olímpicos é um alvo real e trabalhado com crescente seriedade. O mês de agosto será reservado a férias e descanso, prometendo um regresso em setembro com a nova época a todo o gás — primeiro com o Europeu de piscina curta em dezembro, na Polónia, e depois com os Europeus de piscina longa, em Paris, e os Jogos do Mediterrâneo, em Itália, ambos em agosto. A cadência do calendário não assusta: mais do que o peso do tempo, interessa-lhe o ritmo do trabalho.

Entre recordes nacionais, medalhas em Berlim e passagens por Singapura, o retrato que emerge é o de uma atleta que combina ambição e serenidade, rotina e apoio técnico, estudo e sacrifício. Francisca Martins continua a nadar com uma clareza de objetivos e com a leveza do orgulho que não pesa — empurra. E, para quem acompanha, fica a certeza de que o trajeto está longe de concluir: é, antes, um percurso em aceleração.