Os resultados foram recentemente publicados nas revistas científicas Journal of Behavioral Addictions e Addictive Behaviors.
A investigação baseou-se numa amostra de 5.222 pessoas com mais de 16 anos, oriundas de 112 países, e foi conduzida pelos investigadores Cátia Martins e Castro e David Dias Neto, que cruzaram diferentes dimensões psicológicas com estilos de jogo. Deste trabalho emergiram quatro perfis psicológicos de jogadores, com diferentes graus de risco de uso problemático.
Perfis identificados
Dois dos grupos identificados fazem um uso considerado positivo e socialmente integrado dos videojogos:
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Perfil Eviante (20,16%): composto maioritariamente por jogadores mais velhos, emocionalmente regulados e que jogam por lazer, privilegiando interações offline.
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Perfil Envolvido (38,95%): o mais comum, formado por utilizadores emocionalmente equilibrados que integram os videojogos na sua vida social. Jogam por diversão e partilham esta atividade com amigos e familiares, incluindo casos de pessoas que usam jogos online para manter ligação com familiares distantes.
Contudo, o estudo aponta também dois perfis com maior risco:
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Perfil Relacional (26,01%): envolve sobretudo jovens e pessoas de género não-binário, com alguma dificuldade na regulação emocional. Estes jogadores procuram nos videojogos uma forma de estabelecer relações sociais e obter reconhecimento, mas predominantemente em ambientes online. Apesar de os videojogos poderem ser espaços protetores e de promoção de amizades, podem também tornar-se tóxicos, especialmente em contextos misóginos ou prejudiciais à vida social real.
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Perfil Desregulado (15,78%): o mais preocupante do ponto de vista clínico. Inclui maioritariamente jovens rapazes, com baixos níveis de escolaridade e dificuldades emocionais acentuadas. Utilizam os jogos como estratégia de fuga à realidade, o que os torna mais suscetíveis à perturbação de jogo digital.
O papel da motivação e dos mecanismos do jogo
Segundo os investigadores, a motivação para jogar e a regulação emocional são fatores-chave para distinguir um uso saudável de um uso problemático dos videojogos. O tempo de jogo, por si só, não é um indicador fiável de perturbação.
Além dos aspetos individuais, os autores alertam para o impacto de características específicas de alguns jogos que potenciam comportamentos aditivos, como sistemas de pontuação, recompensas constantes, notificações personalizadas e o desbloqueio sucessivo de novos objetivos.
Diagnóstico e prevenção
A perturbação de jogo digital está reconhecida pela Organização Mundial da Saúde e é diagnosticada quando há impacto funcional significativo, perda de controlo e persistência dos sintomas por mais de 12 meses.
A criação destes perfis visa facilitar o diagnóstico clínico e orientar estratégias de prevenção personalizadas. Para as famílias, os principais sinais de alerta manifestam-se nas relações interpessoais. Muitas vezes, os jogadores não têm plena consciência das motivações que os levam a jogar.
Cátia Martins e Castro aconselha os familiares a manterem o diálogo com os jovens e sugere perguntas simples como: "Explica-me como é que se joga?" ou "O que é que achas atrativo neste jogo?" como forma de compreensão e acompanhamento.
O estudo contribui para uma abordagem mais nuançada e personalizada da relação entre videojogos e saúde mental, propondo soluções que vão além do tempo de ecrã, focando-se nas motivações, contextos e consequências reais da atividade lúdica.