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Amarante
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António e Elisabete ficaram presos no Irão em pleno conflito. "Nada previa estes ataques"

Israel lançou uma série de ataques contra o Irão na madrugada do dia 13 de junho, uma ação militar inesperada que apanhou todo o mundo de surpresa.

Redação

Nada indicava a possibilidade de um ataque mas a realidade foi outra e António Santos e Elisabete Gomes, um casal de professores de Amarante, acabaram por ficar retidos no país devido aos conflitos.

Professor de profissão e cartoonista por paixão, António submeteu uma caricatura no concurso "The 3rd International Cartoon, Caricature and Poster Competition of Holocide”, uma iniciativa realizada no Irão.

Esta não seria a primeira vez que o professor participaria neste concurso, ou até a primeira viagem até ao país da organização, daí o casal de Amarante ter aceite de bom grado o convite para fazer parte de mais uma edição. “Mais uma vez fui agraciado com um prémio deste concurso, então fomos convidados a ir ao Irão para representar Portugal. A minha esposa veio comigo para me acompanhar e o plano era chegar no dia 9 e regressar no dia 14”, conta o artista.

O casal teria a oportunidade de desfrutar de grande parte do programa do concurso durante esta breve estadia de “quatro dias foram maravilhosos”. Elisabete Gomes relata que o programa de atividades e visitas realizadas no âmbito do concurso foram “extraordinários”, realçando o espírito de hospitalidade dos seus anfitriões.

“Receberam-nos e acompanharam-nos sempre muito bem durante os três dias que estavam previstos para a nossa estadia”, completa a professora.


Um fim de estadia inesperado

A visita de António e Elisabete teria terminado nesta nota positiva caso tivessem saído do país apenas um dia mais cedo, contudo mesmo antes do casal partir receberam a notícia do ataque.

“Estávamos a preparar-nos para o fim do programa de atividades e para a nossa partida quando recebemos uma chamada do nosso produtor a informar-nos dos ataques que aconteceram durante a noite”, recorda Elisabete.

A partir deste momento o casal sentiu incerteza do que viria a acontecer, mas “numa primeira fase o representante do Irão explicou que ainda não havia razões para preocupação”.

Confiança na Organização e um país hospitaleiro

O casal de professores já teria visitado o Irão no passado e pelo relato dos próprios trata-se de um país “muito hospitaleiro”. Em visitas anteriores o cartoonista e a esposa aprenderam a “confiar a 100% na organização, porque inspiram-nos sempre confiança e segurança”, frisa o casal.

Assim, quando surgiu mais um convite para voltar António não hesitou em aceitar, embora o próprio admita que: “Estávamos a par de um aviso da embaixada partilhado em 2024 de que viagens até ao Irão não eram aconselháveis para turismo”.

E sendo esta deslocação de uma natureza mais oficial e organizada o professor de Amarante clarifica que: “Caso a organização estivesse a par de algum perigo eles nunca teriam avançado com o festival. E de facto correu tudo bem durante o concurso, no último dia é que assistimos a esta tragédia”.

Elisabete reforça o ponto do marido e diz: “Nada previa estes ataques, à nossa volta tudo decorria com normalidade e connosco estavam presentes no concurso figuras importantes de várias nações”. No entanto, o pior acabou por acontecer mas nos primeiros momentos após os ataques: “Toda a gente acreditava que não seria nada. Ninguém estava preocupado. Estávamos num hotel enorme, cheio de gente, não houve qualquer tipo de preocupação”, relata Elisabete.

Encerramento do espaço aéreo e início da incerteza

Sem nenhuma alternativa para além de aguardar por mais informações, não demorou muito até os hóspedes do hotel serem notificados de que o espaço aéreo do Irão teria sido encerrado.

“As coisas intensificaram-se, ainda estavam longe de nós mas com a impossibilidade de apanhar um voo, surgiu o nosso primeiro problema”, continuam a contar. A saída do país por via terrestre foi a primeira opção sugerida a todos os membros do concurso e a organização começou a colaborar de imediato com as embaixadas para dinamizar a evacuação.

“Só que entretanto as fronteiras também foram encerradas, algo que exigia protocolos que iriam dificultar a nossa saída, isto aconteceu na sexta-feira e a partir daí as coisas foram piorando”, confessa a esposa.
Os bombardeamentos por parte de Israel continuaram e segundo António: “Do nosso hotel já éramos capazes de observar os sistemas antibombardeamento”.

Presos no meio de um conflito e sem escapatória em vista, o casal de portugueses só pôde assistir ao decorrer dos conflitos na esperança de que sairiam do Irão em segurança. “As explosões estavam a acontecer à nossa volta e sabíamos que não podíamos sair dali. Tínhamos uma perceção do que se passava à nossa volta e do nosso hotel dava para ver o local do primeiro ataque e a nuvem de fumo enorme que ele deixou para trás”, descreve o artista.

“Não víamos destruição ao vivo, só fumos constantes, não nos permitiram sair do hotel que encerrou imediatamente para nossa segurança. Estávamos fechados e não nos permitiam assistir a nada, só tivemos acesso a um canal em inglês onde conseguíamos ver notícias do que se estava a passar”, realça o professor.

À medida que a situação ia evoluindo também a inquietação do casal ia aumentando, algo que só foi exacerbado pela falta de contacto com o exterior. “As redes sociais foram bloqueadas e a nossa única forma de comunicar era o Gmail”, adicionou.

Planos de fuga e ajuda diplomática

Incapazes de dormir à noite “por estarmos sempre em estado de alerta”, António e Elisabete depositaram toda a confiança e esperança para sair do Irão nas mãos da embaixada portuguesa.
“O hotel contactou a embaixada de forma a ajudar-nos, mas sabíamos que estes processos diplomáticos demoram algum tempo”, disse Elisabete.
A primeira alternativa para sair do país era “ir de carro até à fronteira mas sem qualquer tipo de apoio, o resto teríamos de ser nós a fazer”. Mas este plano não pareceu muito seguro e viável nem para o casal nem para a embaixada que decidiram aguardar até surgir uma alternativa mais segura.
Na mesa de opções o casal teve de analisar as possibilidades de fronteiras a atravessar, Turquia, Azerbaijão ou até o Dubai, de barco, mas antes de se decidir algo “as coisas pioram muito”.


Evacuação de Emergência: Uma Corrida Contra o Tempo

De repente, o hotel onde os dois amarantinos estavam alojados “já não era mais seguro e fomos informados de que teríamos 24 horas para evacuar o local. Esta foi uma das partes mais críticas desta jornada”, clarifica António.

Sem tempo a perder a embaixada redobrou os esforços para evacuar o casal e “na manhã de quarta-feira recebemos uma chamada a dizer para preparar a mala que íamos partir imediatamente”. De partida rumo à fronteira, António e Elisabete teriam pela frente uma viagem de 800 quilómetros pela frente até conseguirem sair do Irão.

“Foi uma viagem longa e difícil, só parámos quando chegámos lá, foram 14 horas até ao fim onde fomos acompanhados por duas pessoas extraordinárias, André Oliveira e Hélder Lourenço, da embaixada”, revela Elisabete.

Determinados a levar os dois amarantinos à fronteira, André e Hélder estiveram lado a lado do casal durante estes tempos difíceis. Pelo caminho os dois representantes receberiam também a notícia de que a embaixada portuguesa seria encerrada e que eles próprios teriam de sair do Irão tal como o casal.


Na Fronteira: esperança e resiliência

Ao longo do percurso até à fronteira os dois responsáveis da embaixada iam mantendo contacto regular com as autoridades da fronteira e com o departamento dos Negócios Estrangeiros.

Pelo caminho os quatro portugueses assistiram à evacuação da população do Irão que: “Por indicação do Governo começaram a sair e isso causou enormes filas de trânsito que demoravam horas para passar. Estradas de três faixas completamente cheias e postos de abastecimento com sete horas de espera para abastecer”.

Um panorama “surreal”, após longas horas de viagem os portugueses chegaram à fronteira que “já teria encerrado quando finalmente lá chegámos”, lamenta Elisabete. Pernoitando onde foi possível por uma noite, no dia seguinte os dois homens da embaixada fizeram de tudo para apressar o processo de saída mas “vivia-se naquele momento uma confusão tremenda”.

O fluxo de pessoas a tentar sair do país e a demora para a realização dos procedimentos de segurança resultaram numa espera de oito horas na fronteira.

“Fomos muito bem tratados enquanto esperávamos, deram-nos de comer e de beber e sentimo-nos muito seguros por ver tanto controlo”, disse Elisabete.


Regresso a casa e emoções à flor da pele

Após um longo período de espera, António e Elisabete ainda não puderam sair do Irão por falta de voos mas, para alívio do casal, seria possível apanhar um voo no dia seguinte.

Saindo de madrugada para o aeroporto os dois professores partiram para Istambul onde depois apanharam o voo de volta a Portugal.


Angústia, Medo e Esperança

Refletindo sobre toda esta situação Elisabete confessa não ser, por norma, “uma pessoa muito calma”. Contudo, devido às circunstâncias extraordinárias que teve de enfrentar, tanto ela como o marido tentaram sempre manter uma postura relaxada e calma.

Sempre prontos a partir a qualquer momento, António e Elisabete passaram “noites sem dormir nada”.

Elisabete confessa que: “Cheguei a duvidar se ia voltar a ver os meus filhos, no meio de tanto desespero e angústia surgem sempre estes sentimentos profundos de tristeza”.

Demonstrando resiliência, a professora evitava ao máximo transmitir este medo à família com a qual foi possível comunicar através do Google Meet, a última forma de contacto possível entre os familiares.

Quando finalmente voltaram a pisar solo lusitano, Elisabete e António descrevem o momento como “uma alegria imensa. A nossa família já estava à nossa espera e foi um momento de emoção enorme poder voltar a abraçá-los e saber que tínhamos conseguido superar esta experiência”.


Um agradecimento a todos os que ajudaram

Agora na segurança do seu país, António e Elisabete não esquecem quem os ajudou a sair do Irão e estendem um agradecimento a todos pelo apoio ao longo desta jornada.

“Não estaríamos aqui sem eles, simplesmente não teríamos conseguido chegar cá sem a ajuda tão importante do diretor do Festival, Massoud Shojaei Tabatabai, os Elementos do Município de Teerão e os Diplomatas André Oliveira e Hélder Lourenço da Embaixada portuguesa no Irão, a quem estamos eternamente gratos”, concluem.