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Felgueiras
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Cristina Santos: Uma vida costurada a bordado

Começou a bordar aos 11 anos. Hoje, 36 anos depois, continua com a mesma paixão, e com o mesmo fio de linha que a liga à família, à memória e ao futuro. No fim de semana da Expolixa – Feira de Artesanato, que reúne 60 expositores de várias regiões, com peças artesanais únicas, está dado o mote para a visita ao certame.

Redação

Cristina Santos tem 47 anos. Aprendeu a bordar com a avó materna, num tempo em que as meninas aprendiam a encher os panos do enxoval ponto a ponto. Saiu da escola muito cedo, aos 11 anos, por causa da doença da mãe, e foi nesse momento que pediu à avó que a ensinasse a bordar. Nunca mais parou.

“Nunca tive outra profissão. Foi sempre só bordar. É o que eu sei fazer.”

O bordado, para Cristina, não foi uma escolha tardia. Foi o caminho natural de alguém que cresceu a ver mulheres da família — avós, mãe, tias e irmãs — a bordar. Uma herança de afecto, de saber e de estética que fez questão de preservar e transformar em forma de vida.

“Tenho sete tias que também todas sabiam bordar. As três irmãs cá de casa sabem bordar. Uma é professora, mas eu e a minha irmã do meio fazemos disto a nossa profissão.”

O trabalho de uma vida… e o gosto de toda uma vida

Fala com alegria do que faz. Diz que adora. E não é apenas uma expressão: sente-se na forma como descreve os projetos, os desafios, as ideias que ainda tem por concretizar. O entusiasmo está todo na voz. Cristina não está cansada do bordado. Longe disso.

“O meu filho costuma dizer que eu não tenho uma profissão, tenho um hobby que tornei em profissão.”

Esse filho — que estuda medicina — é, segundo a própria, o seu maior admirador. Costuma pedir-lhe algumas peças para guardar. Cristina sorri e responde: “Ó filho, pelo amor de Deus, outra?” Mas, o orgulho é evidente. Partilha com ele o gosto pelo que faz e, através disso, também passa a tradição.

Uma arte que caiu em desuso... mas que voltou a encontrar o seu lugar

Cristina reconhece que houve um tempo em que o bordado pareceu estar a desaparecer. “Caiu um bocadinho em desuso.” Mas, não ficou por aí. A realidade, diz, mudou — e hoje há uma nova procura, por novas gerações.

“Neste momento noto que há muita gente nova a procurar os bordados. Muitos artistas plásticos, muitos decoradores.”

Trabalha com vários desses decoradores, tanto portugueses, como estrangeiros. E tem sabido responder ao desafio de adaptar o bordado tradicional a novas linguagens. O seu trabalho já esteve em destaque em revistas de decoração inglesas, onde as suas peças foram elogiadas pela originalidade e qualidade.

“O que eu faço neste momento é adaptar o bordado tradicional a uma outra vertente — desde roupas a tapeçarias. Há uma procura muito grande outra vez.”

Bordar paredes de hotéis no Mónaco: uma arte à escala internacional

Em 2022, Cristina esteve envolvida num projeto que considera marcante: o bordado de tecidos para hotéis no Mónaco. “Em vez de papel de parede, foi tecido bordado à mão.” Os tecidos chegaram de Inglaterra, e as magnólias bordadas deram vida às paredes e portas dos quartos.

“Foi um projeto muito bonito. Andámos a trabalhar muito tempo, mas ficou um trabalho de que me orgulho muito.”

Sente que o seu trabalho é mais valorizado fora de Portugal do que cá dentro. E não tem dúvidas quanto a isso:

“Somos muito mais valorizados no estrangeiro que em Portugal. Eu sinto-me muito mais valorizada lá fora.”

Desafiar-se a si própria com linha e agulha

Apesar de estar envolvida em projetos de grande dimensão, continua a bordar por gosto. E por desafio pessoal. Algumas das peças que guarda foram feitas apenas para testar os seus próprios limites.

“De vez em quando faço umas peças a desafiar-me, para ver se realmente sou capaz.”

Foi assim com um tigre bordado, em que quis trabalhar especialmente o olhar. “Queria que os olhos estivessem num quadro, numa almofada, e fossem realistas.” Foi assim também com um Pai Natal, em que procurou o máximo de fidelidade visual.

Guarda muitas dessas peças no seu espólio pessoal. Algumas demoram dois meses, outras três. São feitas com dedicação e atenção extrema ao detalhe. “Tenho peças realmente bastante bonitas”, resume.

E tem também um projeto em espera: uma tela de grandes dimensões — cinco metros por três — com claustros em pedra, uma dama num baloiço de flores e pavões. O desenho está pronto. O linho caseiro também. Falta apenas o tempo para lhe dar forma.

Técnica apurada e conhecimento completo

Cristina domina todo o processo: riscar, bordar, lavar, passar. Trabalha com a irmã e com outras mulheres que colaboram a partir de casa. Neste momento, são 12 pessoas. Já foram mais, mas o tempo e a idade acabaram por reduzir a equipa.

“O nosso trabalho é feito em casa. Levamos às senhoras e é feito à peça. E é pago à peça.”

Também os materiais variam consoante o trabalho. Cristina borda em cambraia de linho, estopa, linhos puros, com linhas Mouliné, sedas, lãs. “O linho é uma matéria viva”, destaca, e tem de ser respeitado consoante cada peça e cada cliente.

Valor e reconhecimento: o bordado como obra de arte

Cristina não aceita a ideia de que o bordado é caro. Muito menos que seja “apenas um pano bonito”. Para ela, trata-se de arte. E exige uma valorização proporcional ao tempo, à técnica e à história envolvida.

“Quem faz e quem compra os bordados, gosta, compra por gosto e sabe o que está a comprar. O nosso matiz é uma pintura com linha.”

Faz contas simples: uma empregada de limpeza pode ganhar entre cinco a sete euros por hora. “Quando as pessoas dizem que é caro, pergunto quantas horas acham que levou a fazer aquela peça. E aí calam-se logo.”

Um futuro incerto — mas ainda possível

Apesar do reconhecimento internacional, Cristina teme pelo futuro da arte do bordado em Portugal. Vê sinais positivos, mas defende que é preciso mais: mais incentivo, mais formação, mais contacto com as gerações mais novas.

“Acho que deveríamos ter um incentivo bastante grande às crianças, mostrar o bordado, ensinar o bordado... é uma pena que termine.”

Recorda que, quando era pequena, todas as crianças aprendiam a bordar. Hoje, gostaria de ver isso regressar, até porque acredita que bordar também pode ser terapêutico.

“Penso que há meia dúzia de bordadeiras que não vão deixar morrer o bordado.”

Um sonho por cumprir

Entre tudo o que já fez e o muito que ainda quer fazer, há um sonho claro que a acompanha: ter um museu. Não pela vaidade, mas pelo desejo de partilhar o seu espólio, preservar a arte e deixar um legado.

“O meu sonho é viver até aos 90 anos e ainda bordar. E penso ainda ter um museu com peças, com espólio considerável. Era a minha realização pessoal.”