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Marco de Canaveses
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Baião: Dr. Augusto Valente, um médico de família à moda antiga

A propósito do Dia do Médico de Família, fomos ao encontro de uma figura sobejamente conhecida em Baião e no Marco de Canaveses: o médico Augusto Valente. Aos 73 anos, reformado, continua a exercer medicina “enquanto tiver lucidez para o fazer”.

Redação

Natural de Baião, onde nasceu e desenvolveu toda a sua carreira, Augusto Valente iniciou o percurso em medicina em 1979, tendo abraçado oficialmente a especialidade de medicina familiar em 1982, quando foi instituída pelo Governo. “Sou um dos primeiros médicos de família. Já estava a trabalhar e, quando surgiu a carreira, abracei a especialidade. Foi o primeiro curso a fazê-lo”, recorda.

Com décadas de dedicação ao Serviço Nacional de Saúde e à medicina familiar, o médico admite que não mudaria nada no seu percurso. “Fazia tudo da mesma forma como fiz até agora”, afirma, com convicção. Ao longo dos anos, garante ter sentido o carinho da população: “Sinto-me acarinhado. Sinto-me como um peixe dentro de água”.

Entre Baião e Marco de Canaveses, são muitos os que continuam a procurar os seus cuidados. “Tenho tantos doentes no Marco como tenho em Baião. Nunca me senti excluído, sempre fui bem recebido e respeitado. Mas também sempre respeitei os outros. Quem não se dá ao respeito, não pode ser respeitado.”

“O médico de família deve ser acessível, disponível e competente”

Apesar da evolução natural da medicina ao longo das últimas décadas, Augusto Valente considera que o espírito original da medicina familiar se tem vindo a perder. “Hoje em dia há pessoas que me dizem: ‘Tive de marcar com o médico de família e deram-me consulta só daqui a dois ou três meses’. Isso foge, na minha perspetiva, do espírito da medicina familiar”.

Para o clínico, o médico de família tem de ser mais do que um profissional técnico. “As especialidades tratam doenças. O médico de família trata doentes, e deve estar por dentro da história social, familiar e clínica dos seus doentes. Deve ser o gestor da saúde daquela pessoa”.

Valente defende ainda que os sinais subtis dos utentes devem ser lidos com atenção. “Muitas vezes, um doente vem com uma dor nas costas, mas essa dor é apenas um sinal", destaca, frisando "que o médico tem de estar atento àquilo que o doente realmente está a querer dizer". "Ninguém procura outra pessoa só porque lhe apeteceu”, considera ainda. 

Apesar de não exercer atualmente medicina familiar no SNS, continua a trabalhar em contexto de medicina geral. “Vejo quase todos os dias doentes com pneumonia. Trato 60% e encaminho os restantes 40% consoante a gravidade. Dois doentes com a mesma doença têm comportamentos diferentes.”

“Há uma perda de empatia e uma descredibilização da profissão”

Com o tempo, a relação médico-doente também se foi transformando, na opinião do médico. “Quando comecei, o médico era respeitado… talvez até demais", considera.  "Hoje em dia é desrespeitado. As pessoas passam ao lado, o que também cria um fosso na relação médico-doente”, defende. 

Para Augusto Valente, essa relação de confiança e empatia é fundamental. “Um doente tem de sentir empatia pelo seu médico, e o médico deve desenvolver uma cumplicidade com o seu utente", afirma, considerando que "essa cumplicidade perdeu-se.”

Também a evolução tecnológica teve impacto nessa dinâmica. “O ‘Dr. Google’ foi um mau serviço para a população", diz, exemplificando: "As pessoas chegam ao consultório com diagnósticos feitos por conta própria. Isso é péssimo. Muitas vezes, tenho de desmontar esses preconceitos”.

Apesar das considerações ao rumo atual da medicina familiar, Augusto Valente continua com o mesmo espírito de missão. “Quero ser recordado como médico. Um médico que ajudou muitas pessoas. Não quero mais nenhum reconhecimento além desse”, declara. 

No Dia do Médico de Família, a voz e o exemplo de Augusto Valente lembram o valor humano, próximo e acessível desta especialidade. E reforçam que, mais do que uma profissão, ser médico de família é, muitas vezes, um compromisso para a vida.