Hermano Soares, boné na cabeça, sorriso aberto e gestos firmes, orienta carros como se fosse maestro de uma orquestra improvisada. Já lá vão 23 anos.
Junto ao Centro de Saúde de Penafiel, colado à Associação Empresarial, há uma figura que se repete, ano após ano, sempre no mesmo lugar. Quem chega para visitar a Agrival dificilmente passa sem reparar nele.
Hermano Soares, boné na cabeça, sorriso aberto e gestos firmes, orienta carros como se fosse maestro de uma orquestra improvisada. Já lá vão 23 anos.
“Gosto mesmo muito disto, gosto de ver os carros direitinhos, e que não batam uns nos outros. Não levo dinheiro, eu aqui nunca levei dinheiro. Dão-me o que quiserem dar, se não derem não dão, e é assim, gosto”, sustentou.
A simplicidade com que fala é a mesma com que se coloca no meio do trânsito apressado dos visitantes, abrindo espaço, corrigindo manobras, ajudando a encaixar mais um carro no parque.
Esta quarta-feira, dia 3 de setembro, Hermano completa 70 anos de idade. Mas a energia com que se move, sempre atento ao pormenor, denuncia um entusiasmo que não envelhece. Natural da freguesia de Penafiel, diz que esta atividade é quase herança de família: “Isto já vem do meu pai. O meu pai antigamente gostava muito de guardar carros por altura do São Martinho e eu tomei-lhe o exemplo mais tarde". "Já antes de ser reformado, eu tinha este espaço à noite ao meu encargo para guardar carros, e continuei. Embora seja algo que as minhas filhas não apreciem muito, mas eu gosto", relatou.
O passado profissional foi outro, foi empregado de comércio durante muitos anos. Mas, quando chega a Agrival, veste-se de arrumador. E, ao contrário do que muitos poderiam pensar, fá-lo por gosto, não por obrigação. “Antes quero andar por aqui, para me mexer, porque estar parado em casa é difícil”, partilhou.
Conhecido por muitos dos que ali passam, Hermano garantiu que a relação é de respeito mútuo: “Muita gente [me conhece] e eu trato bem toda a gente.” E acrescentou com um sorriso meio maroto: “Situações engraçadas, nunca aconteceram, agora desengraçadas, já, mas tudo se resolveu sempre pelo melhor.”
Não é o município que o chama, é ele que, todos os anos, faz questão de pedir a licença para ocupar aquele espaço. “Peço ao município que me tem feito este favor, passa-me uma licença para poder usar este espaço público. Nestes 10 dias.”
Em troca, recebe carinho. “Muito. Muito carinho. Eu não preciso de ir correr atrás deles para nada. Eles vêm-me trazer uma moeda à mão. Gostam mesmo que eu esteja aqui presente, porque faço um bom trabalho para as pessoas”, frisou.
E ajuda mesmo: indica entradas, saídas, corrige manobras. “Ajudo em tudo. Fui ajudante de camionista numa empresa, pronto, eu sei manobrar tudo.” Talvez por isso tantos confiem nele, até os médicos do Centro de Saúde. “Até para os médicos, fecho-lhes aquela portinha que é para eles entrarem e saírem quando quiserem. Porque, já aconteceu várias vezes, punham o carro ali à entrada e eles não podiam sair”, recordou.
Figura reconhecida da Agrival, não tem dúvidas do lugar que ocupa: “Sou [uma figura]. Acho que sim, e toda a gente sabe que sou um homem cumpridor nisto e toda a gente gosta de mim.”
Mas, agora que se aproxima dos 70 anos, Hermano admitiu que o futuro é uma incógnita: “Não sei, vou pensar a partir deste ano. Tal como já disse, faço 70 anos esta quarta-feira e a partir daí vou ver, pois tenho uma anca partida.”
E se um dia deixar este posto, as saudades vão pesar? A resposta foi sincera e deixou espaço à dúvida: “Vamos a ver, vamos lá ver. Vou pensar. Vou pensar...”
Findada esta entrevista, Hermano Soares continuou ali, entre buzinas, portas que se fecham e motores que se desligam, a garantir que cada carro encontrava o seu lugar.
Um ritual que já dura há mais de duas décadas e que faz dele uma das figuras mais familiares da Agrival.