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Paços de Ferreira
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"Ser socorrista acaba por nos definir”: Luís Costa lida diariamente com a emergência pré-hospitalar

Luís Costa tem 31 anos e vive em Arreigada, Paços de Ferreira. Atualmente, desempenha funções como socorrista na delegação de Vilela da Cruz Vermelha Portuguesa e é técnico no Comando Sub-Regional de Emergência e Proteção Civil da Área Metropolitana do Porto.

Redação

Ainda que o Dia Nacional do Socorrista tenha sido celebrado a 11 de julho, Luís acredita: “É algo muito bom nós prescindirmos um bocadinho do nosso tempo para ajudar o outro”. Neste sentido, todos os dias deviam ser uma homenagem àqueles que se dedicam a salvar vidas.

Um percurso que começou longe da ambulância

A história de Luís não começou logo nas ambulâncias ou nos centros de emergência. Quando era mais novo, estava a estudar Engenharia de Materiais na universidade. “Já quando era mais novo tinha ideias de ser socorrista, não sabia se nos bombeiros ou na Cruz Vermelha, mas já tinha despertado interesse.” Porém, como tantas vezes acontece, “na altura a vida não permitiu”.

O ponto de viragem deu-se no último ano da licenciatura. “Comecei a perceber que aquilo não era o que eu queria fazer para a minha vida”, confessa. Foi então que surgiu a oportunidade de se candidatar ao INEM — oportunidade que agarrou com as duas mãos e o coração: “Foi aí que começou o meu percurso enquanto socorrista”. O primeiro contacto com o socorrismo aconteceu enquanto nadador-salvador, por volta dos 23 anos. Já no âmbito da emergência pré-hospitalar, começou aos 25.

O primeiro serviço: “Marcou-me muito porque foi na altura da Covid”

Luís lembra-se bem do seu primeiro serviço em ambulância: “Foi na altura da Covid. Saí como terceiro elemento e fomos buscar uma senhora que estava com imensa dificuldade em respirar”. O caso agravou-se e o impacto emocional foi significativo. “Fiquei a acompanhar a senhora durante algum tempo, com ela a ter grandes dificuldades respiratórias”, recorda.

Apesar de não saber qual foi o desfecho do caso, Luís explica: “A nossa missão é dar o nosso melhor até ao hospital. Depois disso, confiamos nos profissionais de saúde”.

Nem todos podem ser socorristas — e está tudo bem

“Sim, acho que nem toda a gente consegue ser socorrista”, admite. “Vemos coisas difíceis e temos de saber arranjar mecanismos para lidar com isso.” Para Luís, o segredo está no equilíbrio emocional: “Tenho que admitir que para mim é a minha família. Quando passo por alguma coisa mais difícil, o conforto da minha mulher e dos meus filhos ajuda-me a descarregar as 'más energias'”.

Preparados para tudo — ou quase tudo

A formação é uma constante: “Enquanto socorristas temos formações como TAT (Tripulante de Ambulância de Transporte) e TAS (Tripulante de Ambulância de Socorro), e fazemos recertificações e outras formações como eletrocardiograma”. E mesmo com toda a preparação técnica, a componente emocional exige treino diário. “Nós também somos humanos e temos dias melhores e piores”, diz. “O importante é aprender com cada serviço e tentar fazer melhor da próxima vez”.


Socorristas, bombeiros e INEM: a confusão ainda persiste

Luís reconhece a confusão que ainda existe na comunidade entre socorristas, bombeiros e técnicos do INEM. “Quando me tratam por bombeiro, apesar de estar a fazer socorro enquanto Cruz Vermelha, não levo a mal”, afirma. “O importante é prestarmos o socorro à vítima.”

Enquanto na Cruz Vermelha o foco está na emergência pré-hospitalar, transportes não urgentes e apoio social, o trabalho dos bombeiros é “muito mais diversificado”: desde incêndios a desencarceramentos.

Formação desde a infância: “Vamos às escolas ensinar o que é importante”

“É fundamental que as crianças aprendam primeiros socorros”, defende. A sua delegação leva isso muito a sério: “Vamos às escolas da área de Sobrosa, Duas Igrejas, Vilela, e ensinamos desde suporte básico de vida a como ligar para o 112.” Para Luís, educar é prevenir e preparar cidadãos conscientes.

A realidade dos voluntários: menos disponibilidade, menos permanência

Hoje, admite-se uma verdade difícil: “Tem havido um decréscimo de socorristas”. A sociedade mudou: “Os horários estão mais preenchidos, o stress é maior e é cada vez mais difícil cativar e manter voluntários”. Ainda assim, a esperança não morre: “Tentamos criar condições para que essa parte do socorro se mantenha ativa e consigamos ajudar as pessoas”.

Conselhos para quem quer ajudar, mas tem medo de falhar

Luís tem uma mensagem clara para quem está indeciso se deve avançar no voluntariado: “Nós só falhamos quando não tentamos. Mesmo que depois se perceba que não é isso que queremos fazer, tentar já é ganhar.” E reforça: “Nunca estão sozinhos. Há sempre uma equipa a acompanhar.”

Uma missão que se estende para lá do socorro imediato

Além do trabalho na Cruz Vermelha, Luís passou pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM e agora trabalha no Comando Sub-Regional de Emergência e Proteção Civil da Área Metropolitana do Porto. Ali, é responsável por acionar meios de emergência consoante as características dos alertas recebidos. “Somos o elo de ligação entre corporações, serviços de proteção civil e as necessidades da ocorrência. Garantimos que nada falta no socorro.”

Transmitir valores — mesmo em casa

Luís é pai de dois filhos e acredita que o exemplo conta: “Claro que incuto os meus valores. Não digo que eles têm que fazer exatamente o que eu faço, mas que devem tentar fazer o melhor pelas pessoas.” Com orgulho, partilha um momento marcante: “O meu filho maisvelho tem 6 anos e este ano disse que queria ser da Proteção Civil e da Cruz Vermelha. Foi vestido assim na festa da escola. Fiquei todo orgulhoso.”

A empatia no momento mais difícil

Nem sempre o ambiente durante uma emergência é calmo ou racional. Há stress, há dor, há medo. Luís prefere compreender do que reagir. “Costumo dizer que temos que ‘deixar cair’. As pessoas não estão a falar para nós, estão a falar com base na dor que sentem.” Quando confrontado com agressividade verbal, opta pelo toque humano: “Já me aconteceu pegar na mão da pessoa e dizer: ‘Estamos aqui para ajudar’. Normalmente, isso muda tudo.”

Uma profissão que quer abraçar por muitos anos

“Sem dúvida, gosto muito do que faço e estou feliz, estou muito satisfeito.” É assim que Luís Costa termina esta conversa. Com a tranquilidade de quem sabe que escolheu o caminho certo. E com a certeza de que, mais do que um trabalho, ser socorrista é ser (todos os dias) alguém que escolhe colocar o outro em primeiro lugar.