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Paços de Ferreira
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"A escola não pode ser um campo de treino para algoritmos" - Professor Ricardo Pereira defende uso crítico e ético da tecnologia na educação

Professor de EMRC e coordenador de departamento no Agrupamento de Escolas D. António Taipa, em Freamunde, Ricardo Pereira é uma voz atenta às transformações que atravessam o quotidiano escolar.

Redação

Entre a presença crescente dos telemóveis nas salas de aula e o impacto abrupto da inteligência artificial, propõe um olhar sereno, mas exigente: nem proibir por sistema, nem aceitar sem questionar. Nesta conversa, partilha reflexões sobre os desafios pedagógicos da era digital e defende uma escola centrada no pensamento crítico, na criatividade e na formação integral dos alunos.

O uso de telemóveis nas escolas - proibir ou educar?

Na escola onde trabalho, o uso de telemóveis é proibido até ao 9.º ano, exceto quando autorizado ou solicitado pelo professor para fins pedagógicos. E é precisamente aqui que está o centro do debate: não se trata de proibir por sistema, mas de saber quando e como usar.

Nas minhas aulas, sempre que necessário/possível, usamos o telemóvel como instrumento de consulta, intervenção e até para ações de avaliação. Trabalhos em grupo, pesquisas rápidas, acesso a documentos partilhados... tudo isso, porque os alunos não levam o computador, é feito com o telemóvel. Na realidade, quando bem orientado, o telemóvel é uma extensão da inteligência e da criatividade, também dos alunos.

Proibir o telemóvel por completo só faria sentido se cada sala de aula estivesse equipada com dispositivos tecnológicos equivalentes para cada aluno. E aqui, levanta-se um grave problema e aprofundam-se situações de injustiça: nem todos os alunos podem ter um smartphone.

Sem acesso à tecnologia, a Escola corre o risco de se tornar:

- Uma ilha, isolada das outras ilhas do arquipélago.
- Um campo de concentração pedagógico, onde se controla em vez de se educar.
- Um recinto fechado com (j)aulas lá dentro, onde se ensina sem dialogar com o mundo.

Como se percebe, o problema não está nos instrumentos. O problema está no uso que o Homem faz deles e com eles.

Proibir o recurso ao telemóvel, sem alternativa tecnológica, seria tão absurdo como, nos anos 70, proibir o uso da esferográfica para continuar a usar lousas.

A escola deve educar e ensinar a usar. Ensinar com ética, com responsabilidade, com sentido crítico.

A Inteligência Artificial está a tornar os alunos “preguiçosos”?

A IA, como o telemóvel, em si mesma, não é boa nem é má. Tudo depende daquilo que se pretende e do uso que se faz. Se for usada como atalho para evitar esforço, pode comprometer a autonomia intelectual. Mas se for integrada pedagogicamente, é um excelente instrumento para estimular o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de argumentação.

Quanto ao “tornar os alunos preguiçosos” eu penso que não é a IA que está errada, mas os procedimentos formativos e avaliativos. Há uma certa similitude com os manuais com soluções, nomeadamente os manuais do professor. A IA vem colocar sobre a mesa exigências pedagógicas e académicas que raramente são objeto de reflexão e de intervenção.

A presença da tecnologia no quotidiano escolar, especialmente entre os mais novos

Entre os alunos mais novos, a tecnologia não é problema. Eles já nasceram no meio do digital, da Internet e da Inteligência Artificial. O problema não introduzir a tecnologia, mas educar ao uso sadio da mesma. O professor tem de, com intencionalidade pedagógica e mediação ética, fazer o que faz quando tem de recorrer ao uso das tesouras, do xis ato, de uma ficha elétrica.

A escola deve ser também um laboratório de cidadania digital, não um espaço de negação tecnológica.

A proibição de smartphones vai resolver os problemas ou criar outros?

A proibição pode resolver problemas imediatos (distração, bullying digital, manifestações de diferentes condições económicas, etc.), mas não resolve o problema de fundo: a ausência de literacia digital, cultura de responsabilidade e o peso (para um bom número de jovens!) de ter de “andar pela escola”.

No secundário, envolver os alunos na definição de regras é um passo acertado, mas não me acredito que, caso haja proibição, os frutos sejam os mais saborosos. Urge promover a autonomia, corresponsabilidade e maturidade cívica.

Casos de uso inadequado da IA

Sim, já identifiquei casos de trabalhos feitos integralmente por IA. Mas isso revela falta de orientação e critérios claros. A solução não está em proibir, mas em ensinar a usar com ética e criatividade. Está em tornar as aulas mais dos professores e menos dos manuais, PPT, etc.

A IA pode ser uma aliada na construção de aulas, de atividades e de projetos mais profundos, se houver transparência e reflexão crítica.

Preparação dos professores para esta mudança abrupta

A maioria dos professores não se sente preparada — e isso é compreensível. A mudança é rápida e exige formação contínua, espaços de diálogo interdisciplinar e apoio
institucional. Esta coisa (digital, AI) caiu na Escola como um meteorito num Oásis.

Exige-se que um professor não seja apenas consumidor de tecnologia, mas curador e mediador de conhecimento, mas ... não há milagres. Nestas questões, os jovens e até as crianças, sabem bem mais que a esmagadora maioria das pessoas com 50 ou mais anos.

Mesmo que estes sejam seus professores.

Que tipo de orientação ou regulamentação gostaria de ver implementada?

Seria desejável algo como:

- Diretrizes éticas claras sobre o uso da IA.
- Formação obrigatória para docentes.
- Critérios de avaliação que valorizem o processo, não apenas o produto.
- Transparência no uso da IA, tanto pelos professores como pelos alunos
(declaração de uso).
- Integração da IA como ferramenta de apoio à aprendizagem, não como substituto.

O algoritmo e o abismo antropológico

Mais preocupante do que o uso do telemóvel e da IA é o modelo de sociedade que os algoritmos estão a promover. A lógica algorítmica está a empurrar as escolas para:

- A competição desenfreada, onde o ranking vale mais do que o percurso.
- O individualismo liberal, onde cada aluno é visto como um “empreendedor de si mesmo”.
- O abismo antropológico, onde se perde a dimensão relacional, comunitária e humanista da Educação.

A Escola não pode ser um campo de treino para algoritmos. A escola tem de ser um espaço de formação integral, onde se aprende a ser com os outros, para os outros e através dos outros.

A Escola diante da Inteligência Artificial

A chegada da Inteligência Artificial veio revelar algo que eu, desde os meus tempos de aluno do secundário, contesto: a Escola dos PPT, professores sem criatividade pessoal correm o risco de resvalar para a insignificância. Quando o ensino se reduz à repetição de conteúdos, à reprodução dos manuais, dos instrumentos de avaliação, dos vídeos e à ausência de pensamento vivo, a IA faz é tremendamente melhor.

E é precisamente aqui que se abre uma oportunidade: a IA veio demonstrar a urgência de recentrar a Escola nas disciplinas e nas atividades que geram espírito crítico, criatividade e sentido humano. A Escola precisa de voltar às Humanidades, às Artes e à Ciências Sociais: Filosofia, Pintura, Literatura, História, Moral, Cidadania, Política, Relações-Públicas, etc. — às áreas que não se limitam a transmitir dados, mas que libertam e formam consciências.

Afinal, o que distingue a Pessoa da IA não é a inteligência, mas a abertura ao outro e à transcendência.

Nota final
Estas respostas foram organizadas com o apoio de ferramentas digitais, refletindo convicções pessoais e práticas pedagógicas vividas.