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Paredes
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Amamentação: Mitos e verdades com a consultora internacional Joana Machado

Entre 1 e 7 de agosto, assinala-se a Semana Mundial da Amamentação — e é precisamente no primeiro dia do mês que se celebra o Dia Mundial da Amamentação.

Redação

Para marcar a data, falámos com Joana Machado, enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica, Consultora Internacional Certificada em Lactação (IBCLC) e mãe de dois filhos. 

Natural de Tondela, vive hoje em Paredes e trabalha no Hospital de Penafiel, onde acompanha grávidas, puérperas e recém-nascidos. Também dá consultas privadas na área da amamentação.

A paixão pelo que faz é visível em cada resposta. Joana fala com conhecimento, mas também com empatia, humanidade e consciência social. Nesta conversa, desmistifica ideias pré-concebidas sobre a amamentação, dá conselhos a quem enfrenta dificuldades e lembra que há muitas formas de criar vínculo com um bebé — mesmo quando amamentar não é possível.

“A amamentação é um elefante no meio da sala”

Enfermeira desde 2006, Joana Machado começou por trabalhar noutras áreas da enfermagem, como medicina interna. Em 2015, especializou-se em saúde materna e obstétrica. Foi aí que encontrou o seu lugar: “A minha zona de conforto e o sítio onde eu me sentia mesmo feliz e realizada era no pós-parto”. Dentro desse universo, a amamentação destacou-se como “o maior elefante no meio da sala”.

A necessidade de aprofundar o tema levou-a a procurar formação contínua, que culminou com a certificação internacional como Consultora de Lactação (IBCLC), obtida em dezembro de 2024. “Envolve muito estudo, muitas horas sem dormir e muito dinheiro gasto em formação”, explica. Mas a motivação falou mais alto, e foi também pessoal.

Na amamentação da sua primeira filha, Maria, Joana enfrentou grandes dificuldades: fissuras, dor, uma bebé com refluxo e a sensação de estar perdida. “Liguei a uma amiga e disse: ‘estou quase a desistir’”. Foi esse apoio que salvou a amamentação e que acabou por marcar a sua vocação: “Eu quero ser para as outras mulheres aquilo que esta minha amiga foi para mim, mas quero fazê-lo com a informação científica mais atualizada”.

Múltiplas dimensões, um só gesto

Joana defende que a amamentação deve ser olhada em todas as suas dimensões: biológica, afetiva, ecológica, social e política.

Biologicamente, “é o alimento mais apropriado a um recém-nascido nos primeiros seis meses de vida” e continua a ter benefícios mesmo depois dessa fase, até aos dois anos ou mais, como recomenda a Organização Mundial de Saúde.

Afetivamente, “promove o vínculo entre mãe e bebé”. Ecologicamente, “tem uma pegada ambiental mínima” comparada com a fórmula, que implica plásticos, esterilizadores e desperdícios.

Mas, é na dimensão social e política que Joana mais insiste. “Enquanto tivermos lideranças e decisores políticos que não veem na amamentação uma boa estratégia de saúde, temos um caminho longo a percorrer”. O aleitamento materno reduz doenças, faltas ao trabalho e até o risco de certos tipos de cancro na mulher. “Mães que amamentam têm bebés mais saudáveis e faltam menos ao trabalho. A amamentação deve ser uma prioridade da sociedade”.

Mitos persistentes: “O meu leite é fraco”

Há ideias erradas que resistem ao tempo. Joana desmonta várias, com clareza:

  • “O meu leite é fraco”“Não existem leites fracos. O leite materno adapta-se ao bebé. Uma mãe de um prematuro, por exemplo, produz um leite diferente de uma mãe de bebé de termo. É um produto biológico vivo, que muda se o bebé está doente, por exemplo.”

  • “Não tenho leite” – Este mito está muitas vezes ligado a expectativas desajustadas. O colostro, nos primeiros dias, é produzido em pequenas quantidades, o que é normal, pois o estômago do recém-nascido também é pequeno. “A mama não é um armazém, é uma fábrica. Produz em função da estimulação do bebé”.

  • “O leite aos dois anos já não serve para nada”“Continua a ser benéfico. Estudos comprovam isso. O desmame natural pode acontecer entre os 2 e os 7 anos. Cada mãe e bebé devem encontrar o seu momento”.

  • “Amamentar dói”“Amamentar não deve doer. Quando dói, é sinal de que algo não está bem. Pode haver má pega, má posição ou outro problema. É importante procurar ajuda.”



Quando a amamentação não acontece

Nem todas as mulheres conseguem ou querem amamentar — e isso, diz Joana, não as torna menos mães. “Há muitas formas de nos vinculamos aos nossos bebés”. Para quem não consegue, o luto desse processo pode ser doloroso. “É quase como não ter tempo para fazer um desmame, porque nunca chegaram a amamentar”. E muitas mulheres sentem isso como um fracasso fisiológico.

Joana reforça a importância da preparação ainda na gravidez. “Muitas dificuldades dos primeiros dias podiam ser evitadas se as mulheres fossem preparadas para o que é esperado de um bebé e do seu comportamento alimentar”. Quando há dificuldades e falta de apoio, “o não conseguir transforma-se em conseguir com a ajuda certa”.

E acrescenta: “Amamentar não tem que ser um tudo ou nada”. Pode haver suplementação transitória, pode haver um regresso ao aleitamento após interrupção. “Mesmo quando não é de todo possível, há muitas outras formas de ser colo para o nosso bebé”.

Informação e apoio: o caminho para a confiança

O maior conselho de Joana? Informação. Saber o que esperar, como funciona a mama, o comportamento do bebé, os sinais de alerta. “Se soubermos como deve ser a pega, as possíveis posições para amamentar, os xixis e os cocós esperados, conseguimos perceber quando algo não está bem".

Sinais de alerta incluem: "Dor, um bebé que adormece muito a mamar, estalidos quando mama, engasgos frequentes, bochechas que não ficam redondinhas, ou diminuição do número de xixis ou cocós esperados para os dias de vida do bebé".

Nestes casos, é fundamental procurar apoio. "No SNS, pode ser difícil encontrar profissionais especializados nesta área, com disponibilidade e em rácio adequado, para acompanhar a amamentação na medida que merece". Por isso, Joana reconhece o valor da consulta privada de amamentação, que pode durar de uma a duas horas, e analisar detalhadamente toda a história da mãe e do bebé.

Uma equipa a cuidar da amamentação

A amamentação nem sempre é linear. E muitas vezes requer uma abordagem multidisciplinar. “Pode haver um freio da língua que dificulte a sucção e isso pode requerer a intervenção de outros profissionais, como odontopediatra, terapeuta da fala e fisioterapeuta. Ou um bebé que recusa mamar de um lado por causa de um torcicolo — e com fisioterapia começa a mamar bem.”

“Às vezes, a fórmula é introduzida por outro profissional, por perda de peso ou dificuldades em mamar, e com o apoio e o tempo certo de um profissional especializado, como o IBCLC, esta questão pode ser ultrapassada. São várias áreas a trabalhar em conjunto”, diz Joana, sublinhando que o sucesso na amamentação pode depender de pequenas correções e trabalho em equipa.

A sua certificação como IBCLC permite-lhe exercer em qualquer país do mundo. E isso é fruto de um percurso pessoal e profissional que se cruzaram. Hoje, sente-se privilegiada: “Gosto muito do que faço. É uma paixão poder acompanhar as mulheres desde a conceção até ao desmame”.

Procurar ajuda é um sinal de força

Para quem tem receio de procurar ajuda, Joana deixa uma mensagem clara: “Não tenham vergonha. Procurar apoio é um ato de amor e coragem. Às vezes, uma pequena intervenção muda tudo”.

A amamentação é mais do que alimentação. É vínculo, saúde, política, ecologia e, sobretudo, autonomia informada. E profissionais como Joana Machado existem para lembrar isso, sem julgamentos, com empatia e com ciência.