logo-a-verdade.svg
Marco de Canaveses
Leitura: 5 min

Manuel Valente da Rocha: “Sou meio cesteiro, mas faço isto por gosto”

Em S. Lourenço do Douro, Marco de Canaveses, um reformado de 81 anos recupera uma tradição familiar pela vontade de criar e manter viva a memória do pai.

Redação

Do volante para as cestas: um regresso inesperado

Manuel Valente da Rocha nasceu e vive em S. Lourenço do Douro, no concelho do Marco de Canaveses. Aos 81 anos, reencontrou na cestaria uma forma de se entreter após a reforma. “Quando comecei a trabalhar nisto, foi enquanto era novo, com o meu pai, que era cesteiro”, recorda. Apesar disso, o caminho profissional seguiu por outras rotas: “Depois fui para a tropa, tirei carta e fui motorista até à reforma. Nunca mais trabalhei nisto.”

Durante mais de quatro décadas, Manuel conduziu veículos. Mas o silêncio da reforma trouxe-lhe tempo e uma certa inquietação. “Estava reformado em casa, não tinha o que fazer. Não sabia o que é que havia de fazer e comecei a inventar isto. Coisitas à mão para estar sentado a fazer.”

“Sou meio cesteiro”

Apesar de se dedicar agora à cestaria, Manuel não se considera um verdadeiro artesão da área. “É por isso que eu digo que sou meio cesteiro. Que eu não era cesteiro. Eu trabalhava de motorista, como trabalhei dos 25 anos até aos 68”, diz com simplicidade. Mas as mãos ainda se lembram dos gestos do ofício: “Faço o fundo, depois seguro o fundo aqui e prendo a cesta. Isto é feito assim à mão.”

A cestaria que agora faz é diferente da de outros tempos. “Quando trabalhava com o meu pai, não se fazia disto. Eram uns cabazes para a fruta. Agora, quando eu inventei estas coisitas, são feitas com formas. Porque eu não consigo fazer de outra maneira.”

Uma tradição que quase se perdeu

A ligação à cestaria vem-lhe do pai, que dedicou toda a vida ao ofício. “O meu pai trabalhou desde pequeno sempre de cesteiro. Foi a vida toda dedicada a esta arte”, diz com respeito. Mas a continuidade familiar terminou em Manuel: “Não tenho mais família que as faça. Tenho três irmãos e não o fazem. Sim, sou o único que seguiu a arte do meu pai.”

Nem sempre viu o trabalho com o mesmo olhar. “Por ser franco, não gostava muito. Mas, éramos obrigados a trabalhar”, confessa sobre os tempos de infância. “E depois, quando fui para a tropa, esqueci a cestaria. E só regressei agora.”

Fazer por gosto, não por dinheiro

Manuel não vende o que faz. “Ultimamente não tenho feito nada, até porque eu já tenho 81 anos. Aí é que está o mal, começa a custar um bocadinho”, admite. “Não estou a contar com o dinheiro. Acho que quem faz isto faz mesmo por gosto. Tem que se gostar disto.”

Para ele, este tipo de artesanato não é viável como profissão: “Hoje ninguém se pode aplicar nisso porque não dá dinheiro para viver. E as pessoas precisam de viver, precisam de trabalhar em coisas que lhes dê dinheiro.Mas, ainda assim, insiste: “Gosto disto, ainda mais depois que as coisas estão em casa. Tenho feito muita coisa disto, mas é mais por gostar de fazer.”

Criar com as mãos e com a memória

Manuel não se limita a reproduzir o que aprendeu. Gosta de imaginar. “Este que está aqui foi uma invenção que eu fiz de piquenique”, conta, apontando para uma das suas criações. “Isto copiei por uma que a minha sogra tinha e eu depois inventei para fazer uma cesta assim. Eu gosto de imaginar, de criar.”

Apesar da idade pesar, a vontade de criar permanece. “Não é agora, nem nesta altura. Estou a ficar de maneira... já nem me apetece fazer alguma coisa nenhuma.” Mas, enquanto puder, Manuel continuará, como ele próprio diz, a entreter-se com “estas coisitas”.

“É importante manter estas tradições. Só que, hoje, isto é mesmo só por gosto”, conclui.