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Marco de Canaveses
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De pedreiro a peixeiro: A história de Henrique ‘Barrigana’ e a tradição que passa de geração em geração

A venda de peixe porta-a-porta não fazia parte dos planos de Henrique Pereira da Rocha, mas quando sofreu um acidente de trabalho, aos 30 anos, o homem mais conhecido por “Barrigana” agarrou uma nova carreira: ser peixeiro.

Redação

Quando um acidente na pedreira onde trabalhava o deixou com problemas de coluna, ouviu do médico que não poderia voltar a trabalhar. Recusando-
-se a aceitar esse destino, lembrou-se de que já vendia tainha ao fim de semana e procurou conselhos junto de um peixeiro experiente da região. “Virei-me para o Mário e disse-lhe: não posso trabalhar mais nas pedras. Sou novo, não quero ficar rico, mas tenho os meus filhos para manter. Dá para fazer disto vida?” A resposta foi clara: “Depende daquilo que faças depois da volta.”

Assim, começou uma carreira de 30 anos, acordando às 03h00 para ir à lota de Matosinhos e vendendo porta a porta nas freguesias de Alpendorada, Várzea e Torrão. “Não tenho medo de trabalhar e não sossego enquanto não ficar com o carro vazio”, diz o peixeiro. Mas, aos 65 anos, admite que está cansado. “Adoro este trabalho, mas depois de tantos anos a levantar-me tão cedo, o corpo já pede descanso.”

O início de uma nova geração no negócio

A reforma de Henrique "Barrigana" parecia ser o fim da carrinha do peixe. Mas, para sorte da freguesia e do próprio peixeiro, a filha, Fátima Madureira, decidiu juntar-se ao negócio. “Trabalhava nas confecções desde os 15 anos e um dia senti-me cansada”, conta. “O meu pai virou-se para mim e disse: Não vais ficar aqui em casa a pensar e a chorar, vais comigo vender o peixe.” Inicialmente relutante, Fátima recusou a oferta, mas no dia seguinte o pai apareceu-lhe à porta.

“A minha mãe disse-me: O teu pai está lá fora à tua espera.” Fátima aceitou experimentar, mas não era mulher de “ficar só sentada” e rapidamente pediu para ajudar. No final do dia, o pai foi direto: “A partir de hoje, vendes tu.” O que começou como uma experiência temporária tornou-se definitivo quando, durante a pandemia da Covid-19, Henrique “Barrigana” adoeceu gravemente e ficou internado.

“Para não fechar a carrinha, peguei no negócio”, conta Fátima. “E foi nesse período que ganhei o gosto pelo trabalho.” Hoje, pai e filha trabalham juntos e são inseparáveis na venda de peixe. “Já ninguém lhe chama Fátima, agora é a ‘Peixeirinha’”, diz Henrique, orgulhoso.

Uma profissão com os dias contados?

Os tempos mudam e os hábitos dos consumidores também. “Antes, vendíamos muito mais. Na altura do São João até tinha de fugir com a carrinha porque as pessoas metiam-se à estrada para me comprar sardinhas”, recorda Henrique. Agora, o cenário é outro. “As mulheres estavam sempre por casa e vinham ter à carrinha. Hoje, está toda a gente a trabalhar e as casas estão fechadas durante o dia”, acrescenta Fátima.

Além disso, a concorrência dos supermercados e o aumento dos preços dificultam a sobrevivência dos vendedores ambulantes. “Antes, carregávamos 12 a 14 caixas de peixe, hoje trazemos cinco ou seis para não sobrar.” A adaptação tornou-se essencial para continuar no mercado. Foi então que Fátima implementou um sistema inovador para manter a clientela: começou a enviar mensagens diárias com o peixe disponível. “As pessoas olham para a mensagem e dizem-me o que querem e a que horas. Assim, consigo organizar melhor a volta e não perco vendas.”

O futuro da venda de peixe ambulante

A inflação dos preços e a concorrência das grandes superfícies colocam em risco os negócios locais. “Se nós desistimos, os peixeiros da lota perdem clientes, os pescadores vendem menos... É uma bola de neve”, reflete Fátima. A venda de peixe ambulante tem vindo a desaparecer. “De ano para ano, vejo isto cair. Este ano mais dois peixeiros que conhecemos desistiram. Vamos andando um dia de cada vez. Enquanto tiver clientes, estou aqui para eles.”

Para Henrique, mais do que um negócio, ser peixeiro foi uma forma de criar laços com a comunidade. “Passados 30 anos, fico com boas memórias do convívio que tive com as pessoas. Um dia, vão sentir a nossa falta, dos peixeiros e dos padeiros.”

A carrinha de peixe do "Barrigana" vai continuar a dar a volta pelas freguesias “pelo menos enquanto os clientes quiserem o nosso peixe”.