Residente em Duas Igrejas, Penafiel, o piloto José Sousa analisa o acidente do Boeing 787 na Índia e explica por que continua a confiar na aviação.
José Sousa, piloto há cinco anos, já passou por várias experiências no mundo da aviação. Desde operações de paraquedismo até aos voos comerciais, a sua paixão por voar começou cedo:
“Desde os meus 5 anos que sonhava ser piloto. Via os aviões a passar e ficava fascinado. Apesar de não conhecer ninguém na área, sempre lutei por este sonho.”
Depois de sete anos na Força Aérea Portuguesa, José tirou o curso de piloto comercial, terminando-o num dos momentos mais difíceis: em plena pandemia. Apesar das dificuldades, nunca desistiu. Hoje, faz aquilo que sempre sonhou: “Vir trabalhar não é trabalhar. É fazer o meu hobby.”
O recente acidente do Boeing 787-8 da Air India levantou novamente questões sobre a segurança na aviação. No entanto, José é perentório:
“A aviação continua a ser o meio de transporte mais seguro que existe.”
Segundo o piloto, o avião em causa, embora com 15 anos, pertence a uma geração de aeronaves altamente avançadas, com múltiplos sistemas de backup que mitigam o erro humano ao máximo.
“Estamos a falar de tecnologia de ponta. Estes aviões têm sistemas que alertam para a mínima anomalia. Se algo falha, o avião avisa imediatamente os pilotos.”
Logo após a descolagem, e segundo os relatórios preliminares, a tripulação terá declarado emergência (o conhecido Mayday), apenas a 620 pés de altitude, o que indica uma situação grave e iminente.
José explica que há dois tipos de chamadas de emergência:
Pan-Pan: há um problema a bordo, mas a situação está controlada.
Mayday: situação de emergência crítica, que ativa todos os meios de socorro.
“Quando se declara um Mayday, todos os sistemas de emergência são ativados: bombeiros, hospitais, polícia… tudo fica em alerta máximo.”
O facto de os pilotos terem declarado Mayday desde muito cedo indica que estavam perante uma situação extremamente séria e inesperada.
O piloto sublinha repetidamente a elevada segurança da aviação comercial:
“Todos os aviões têm sistemas redundantes: hidráulicos, elétricos, de travagem, motores... Mesmo que um motor falhe, o avião está certificado para continuar a descolar e subir apenas com o outro motor.”
Este princípio de redundância aplica-se a praticamente todos os sistemas do avião, o que permite manter o voo seguro mesmo perante avarias.
“O avião não sai do chão sem estar 100% operacional. Cada pequena falha é detetada, reportada e resolvida antes do voo", garante.
Uma das hipóteses levantadas prendia-se com o não acionamento das flaps — superfícies móveis nas asas que aumentam a sustentação na descolagem.
No entanto, José considera esta teoria improvável:
“O avião avisaria imediatamente se as flaps não estivessem na posição correta. E os pilotos abortariam a descolagem. Além disso, sem flaps, seria difícil sequer tirar o avião do chão.”
Apesar disso, admite um cenário muito raro de erro humano:
“Só num caso extremo de confusão de comandos — ao tentar recolher o trem de aterragem, recolherem acidentalmente as flaps antes da velocidade correta — é que poderia ter ocorrido perda de sustentação.”
Mas volta a sublinhar:
“Como foi declarado o Mayday, mostra que os pilotos sabiam que algo estava errado. A hipótese de erro humano nessa fase torna-se menos provável.”
José destaca ainda o elevado nível de experiência da tripulação: “Os pilotos de 787 são altamente experientes, com muitas horas de voo. Além disso, estamos continuamente em treino: a cada 6 meses fazemos simulações de emergência e só voamos se estivermos aptos.”
A aviação comercial tem normas extremamente rigorosas de treino, atualização e certificação.
Outra possibilidade discutida entre pilotos prende-se com a eventual contaminação do combustível com água — um problema raro, mas que pode afetar a combustão dos motores.
“Os motores são independentes. Para ambos falharem, teria de existir uma causa externa comum. Um combustível mal armazenado pode provocar falha simultânea.”
Mesmo assim, sublinha: “É uma hipótese, mas ainda carece de confirmação”.
Sobre as operações das companhias low cost, como a Ryanair ou EasyJet, José é categórico:
“A segurança é exatamente igual em todas as companhias. São as autoridades que regulam e fiscalizam. Cada avião, antes de cada voo, é inspecionado. Mesmo uma simples lâmpada fundida obriga à avaliação de manutenção”.
O mito de que as low cost comprometem a segurança não corresponde à realidade.
Apesar da tragédia, José deixa uma mensagem clara:
“A aviação continua a ser extremamente segura. Cada acidente traz lições valiosas. As normas são revistas, os procedimentos melhorados. Os sistemas alertam os pilotos para o menor erro. As pessoas devem continuar a viajar descansadas.”
E conclui: “Os dados da caixa negra vão ser essenciais para perceber o que realmente aconteceu. Só então saberemos as causas exatas.”
Com 32 anos, José é um exemplo de paixão e dedicação.
“Sempre sonhei ser piloto, mesmo sem conhecer ninguém na aviação. Fiz o meu percurso sozinho, entrei na Força Aérea, fiz o curso comercial durante a pandemia e hoje faço aquilo que amo todos os dias.”
“Para mim, voar nunca foi trabalho. É um privilégio diário”.