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Felgueiras
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"A esperança de escapar não era muita". Paulo Soqueiro foi dado como desaparecido enquanto combatia um incêndio

No decorrer da sua missão para extingui um incêndio e proteger a população, o Chefe dos Bombeiros da Lixa, Paulo Soqueiro, sofreu uma queda que obrigou ao seu resgate, algo que só seria possível quase três horas depois. Um compasso de espera que o bombeiro enfrentou isolado de todos os colegas.

Redação

“Foi um dia terrível, estávamos a atravessar um período muito difícil na altura, devido à quantidade de incêndios que estavam a assolar a região”, conta o bombeiro da Lixa. 

Chamados para ajudar no combate destes incêndios em Amarante, segundo Paulo Soqueiro: “Estavamos a combater o fogo num contexto muito particular, no meio de uma zona de muita indústria com fábricas e casas pelo meio, a nossa prioridade era proteger as pessoas e os bens”, descreve o homem de 61 anos. 

Todas as corporações da região aparentavam estar “sobrelotadas” de trabalho, mas nenhuma recuava da missão de proteger as pessoas e as casas em risco. “Os bombeiros das várias corporações estavam todos envolvidos em incêndios espalhados pelo território. Havia sempre algum fogo a deflagrar e quando cheguei a Amarante para apoiar os bombeiros de Vila Meã, já vinha cansado de outro incêndio anterior”, conta. 

A queda e a longa espera por socorro

Chegando ao local de operações para o qual teriam sido acionados a equipa de bombeiros da Lixa onde estava Paulo Soqueiro procedeu às devidas diligências e estratégias necessárias para apagar as chamas. “Havia a necessidade de fazer a guarda das fábricas e casas, que estavam muito perto do fogo e planeamos as nossas ações de acordo com isso mesmo”, reforça o bombeiro experiente.

No entanto, Paulo Soqueira pressentiu que “algo não estava bem”. Os 43 anos de experiência falaram mais alto e no momento o chefe dos bombeiros escolheu ignorar o velho ditado e regra dos bombeiros: “Primeiro eu”. 

Desconfiando da possibilidade de uma frente de incêndio desconhecida pelo comando dos bombeiros, Paulo Soqueira separou-se do resto dos operacionais para investigar esta suspeita. “Durante o serviço há sempre um momento em que a nossa força de vontade nos manda fazer mais. Por isso, desloquei-me da minha equipa que estava a trabalhar, sob o meu comando para tentar perceber o que se passava à nossa volta”, admite. 

O instinto não engana e o bombeiro encontrou mesmo uma onda de chamas que ainda era desconhecida aos outros elementos do comando. “Naquele momento comecei logo a gravar um vídeo das chamas para enviar ao posto de comando. Uma coisa é dizer, outra é ver e eles precisavam de ter noção daquela frente”, realça o homem da Lixa.

Enquanto tentava fazer chegar aos superiores as imagens desta frente, Paulo Soqueiro foi: “Projetado de uma borda, deslizando por cerca de 30 metros de terreno onde acabei por embater numa rocha ou árvore, ponto em que o meu corpo adormeceu”.

A força do embate resultou em desmaio e de repente o bombeiro de 61 anos encontrava-se sem sentidos, ferido e sozinho junto a uma frente de incêndio. Recuperando os sentidos, Paulo Soqueiro agiu rapidamente para tentar perceber o que se teria passado e onde estava. Com recurso à lanterna tentou perceber onde estava mas sem grande efeito, o passo seguinte foi logo acionar o botão de pânico via SIRESP para alertar de imediato todos os envolvidos para a sua situação e desaparecimento.

Só depois de ser resgatado é que o bombeiro viria a saber que o sítio onde teria perdido os sentidos tratava-se de “uma parte de uma pedreira antiga”. E seria aqui que o bombeiro teria de passar as próximas horas à espera de resgate.  “Adormeci durante algum tempo e fiquei sem noção de quanto tempo passei inconsciente”, relata. Incapaz de se mover, tudo o que restava era esperar, “e passou-se uma, duas quase três horas até ter sido resgatado”, revelou. 

O resgate e a força da equipa

Os colegas iniciaram desde logo as operações de busca e resgate mas dar com o paradeiro de Paulo Soqueira revelou-se uma tarefa demorada e dificil.

“Como tinha bateria no telemovel até tive algum nível de conforto e o contacto constante do nosso comandante que me ia animando ajudou imenso, mas os minutos e as horas passavam e ainda não tinha visto ninguém”, continua a contar. 

Foram horas de “aflição” onde “vem muita coisa terrível à nossa cabeça, o pior vem sempre ao de cima. Estava exausto demais para tentar subir e sair de onde estava e além disso ainda havia um incêndio algures por combater. A esperança de escapar não era muita, quase nenhuma”, diz o bombeiro com um certo peso na voz. 

Um episódio “mentalmente desgastante”, eventualmente um bombeiro conseguiu “ou por instinto ou por sorte”, ouvir os gritos de ajuda de Paulo Soqueira. O primeiro contacto entre o bombeiro desaparecido e a equipa de resgate ficou marcado pela “exaustão. Tanto eu como ele estávamos exaustos e o Chefe Lino teve mesmo de me pedir um momento para respirar porque também ele estava esgotado”, ilustra.

Assim, ao final de horas de angústia Paulo Soqueira seguiu para o hospital para tratamento dos seus ferimentos. “Fica aqui uma história para contar aos meus netos quando os tiver”, brinca o bombeiro. 

Reconhecimento, legado e paixão pela farda

De uma carreira de 43 anos “de verdadeira entrega à causa”, este episódio deixou “marcas que sinto todos os dias”, confessa. Marcado por esta dura experiência, Paulo Soqueira não se deixa ir abaixo: “Deixou marcas para se for preciso, este ano, volto ao mesmo serviço. Continuo determinado a fazer parte dos bombeiros e vou chegar ao fim dos meus ainda por completar 65 anos de serviço. Já só me faltam quatro”.

Dando continuidade a “um legado de família”, o bombeiro recorda o percurso do pai, do tio e até dos filhos pelos bombeiros, o chefe da corporação diz com notável orgulho na voz: “Somos uma família dedicada aos bombeiros”. 

Quando questionado sobre a motivação para continuar Paulo Soqueira responde logo: “Nada nos motiva, fazemos isto porque gostámos. Respiro a minha corporação e a vida nos bombeiros é isto que me faz viver”.

Quase um ano depois de todos estes acontecimentos, os Bombeiros Voluntários da Lixa e de Vila Meã receberam o Prémio Bombeiro de Mérito 2024, entregue às duas corporações justamente por este resgate. A proposta foi apresentada pelo Comandante dos Bombeiros da Lixa, Vítor Hugo Meireles, e aprovada pela Liga dos Bombeiros. E foi no Dia Nacional do Bombeiro que esta distinção foi entregue aos envolvidos. 

Paulo Soqueira recebeu as notícias deste prémio com “alegria e gratidão”, revelando-se visivelmente satisfeito por ver o trabalho dos colegas a ser reconhecido.