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Há mais de dez anos que Carla Teixeira, uma professora natural do Marco de Canaveses, começou a dar aulas no ensino público. No ano passado, conseguiu vínculo pela primeira vez e, “no mês seguinte, descobri que estava grávida. Foi um choque!”.

O bebé João tem agora quatro meses e a mãe está “muito feliz”, mas até ao ano letivo de 2022/2023, a vida da professora era incerta, uma sucessão de contratos “precários” que a levaram a percorrer o país.

Concorreu ao ensino público pela primeira vez em fevereiro de 2013, e o Agrupamento de Escolas da Ordem de Santiago, localizado no bairro da Bela Vista, em Setúbal, foi o seu primeiro destino.

“Se ficar aqui colocada, o seu estágio vai ser aqui. Isto aqui é duro!”

“Lembro-me perfeitamente da entrevista”, recorda Carla. O diretor da escola tinha chamado 15 professores para a entrevista, ao invés dos normais cinco, “porque já estava desesperado para arranjar alguém”, conta. A professora recorda mencionar na entrevista o seu estágio em Pedrouços, uma “escola difícil”, ao qual o diretor respondeu: “Carla, esqueça. O seu estágio vai ser aqui. Se ficar aqui colocada, o seu estágio vai ser aqui. Isto aqui é duro”

Em março, rumou a Setúbal, três dias depois de saber que tinha conseguido o contrato. O Agrupamento de Escolas da Ordem de Santiago “fica no meio de um bairro social carenciado” e a professora lembra-se de chegar, pouco antes da meia noite, com duas malas “gigantes”, sozinha e sem conhecer ninguém, quando um carro parou ao seu lado e o condutor perguntou “A menina não é daqui pois não? Então, não fique aqui muito tempo que esta rua é de prostituição”

Dirigiu-se rapidamente ao hostel onde iria acabar por viver, até ao final de julho, com mais três rapazes belgas e um austríaco, numa “espécie de Erasmus”, uma experiência da qual admite ter gostado “muito. Foi muito engraçado!”, afirma Carla.

A professora de português, história e geografia de Portugal de segundo ciclo começou a sua carreira como diretora de turma de um 5.º ano e afirma que a escola era “efetivamente muito difícil”. Nas reuniões de avaliação da Páscoa ficou fechada na escola, “porque andavam aos tiros no exterior”, um episódio amplamente noticiado.

Apesar de tudo, “tive colegas espetaculares que me apoiaram. (…)  Tive a ajuda de uma colega incansável, a Carla, que me apoiou mesmo a lidar com os pais”, afirma. Sempre que estava à espera do autocarro para ir para a escola, os colegas que a viam davam-lhe boleia, porque “aqui é perigoso”. Ainda assim, sublinha que “nunca tive problemas com ninguém lá. Toda a gente sabia que eu era professora dos filhos, cumprimentavam-me, perguntavam-me se estava tudo bem. Os meninos conheciam-me, toda a gente me conhecia, por isso, correu tudo bem”.

A sucessão de contratos e a vinculação dinâmica

A partir daí, a vida de Carla Teixeira nas escolas públicas resumiu-se a uma sucessão de contratos, na maioria com horário incompleto, em que apenas um mês de trabalho é garantido.  Chegou a trabalhar num centro de estudos, numa altura em que não conseguiu colocação, mas “tinha sempre o bichinho. O meu sonho, a minha ambição, era voltar a trabalhar no ensino público”.

Depois do Agrupamento de Escolas da Ordem de Santiago, segui-se o Agrupamento de Escolas do Montijo; o Agrupamento de Escolas de Moura, em Beja; o Agrupamento de Escolas Padre João Coelho Cabrita, em Loulé, e o Agrupamento de Escolas da Zona Urbana da Fiqueira da Foz.

Nesta fase, “eu já percebia de concursos” e começou a restringir a área de candidatura. Foi assim que veio para Amarante, onde estava a construir casa e onde vive atualmente. A partir daí, conseguiu sempre ficar perto de casa, mas a sucessão de contratos continuou: Agrupamento de Escolas Amadeo Souza-Cardoso, em Amarante; Agrupamento de Escolas de Águas Santas, na Maia; Agrupamento de Escolas de Freamunde; Agrupamento de Escolas da Lixa; Agrupamento de Escolas de Campo; Agrupamento de Escolas Teixeira de Pascoaes, em Amarante; Agrupamento de Escolas de Penafiel Sudeste, e Agrupamento de Escolas de Alpendorada.

Foi no ano letivo de 2022/2023 que surgiu a vinculação dinâmica, um novo modelo de recrutamento e gestão de professores que permite aos professores contratados a oportunidade de ingressar nos quadros, mesmo que não tenham três anos sucessivos de horários anuais e completos.

Carla não tinha filhos e o seu companheiro trabalhava em África, “portanto eu não tinha nada a prender-me  e  pensei ‘vou arriscar, é agora!’. Assim, concorri à vinculação dinâmica” e um mês depois “descobri que estava grávida. Foi um choque! Aí, fiquei muito preocupada. Eu sabia que no Algarve tinha vaga. Agora, cá em cima, como concorreu mais gente, fiquei com dúvidas”, explica e acrescenta que acabou por “correr bem”, porque vinculou provisoriamente em Guimarães. 

No último ano letivo, vinculou em Cabeceira de Basto e “estou muito feliz! Compensou arriscar”, mas não consegue deixar de referir que os concursos de professores são “uma sorte e um risco” e que muitos dos seus colegas ficaram colocados no sul do país.

Relembra que foi graças ao apoio “muito grande” da sua família e, mais tarde, do seu companheiro, que conseguiu suportar todos estes anos de instabilidade, “mesmo a nível financeiro”, uma vez que “cheguei a ir muitas vezes para o sul a ganhar menos de mil euros. Carla Teixeira afirma que, neste momento, tendo em conta o valor das rendas, “quem ficar lá em baixo colocado vai ter muitas dificuldades”.