O caso gerou polémica por se tratar de uma união entre pai e filha, como comprovado pela certidão de nascimento da noiva.
Segundo o Jornal de Notícias (JN), o registo do casamento foi efetuado apesar de a documentação comprovar o laço de parentesco direto. Este facto levou dois irmãos da noiva a apresentar queixa no Ministério Público, acusando a própria irmã, a conservadora e a oficial que fez o averbamento do casamento.
Família dividida e suspeitas de interesse financeiro
De acordo com uma das irmãs que apresentou queixa, a motivação do casamento pode ter sido financeira. Manuel Teixeira Lima é reformado após uma longa carreira em França e recebe uma pensão entre 2500 e 3000 euros. Possui ainda uma moradia própria e alegadamente algum dinheiro em conta. “Acredito que ela fez isto para se apoderar de, pelo menos, metade da reforma do meu pai, como viúva”, declarou a filha inconformada ao JN.
A mesma irmã afirma que foram feitos levantamentos bancários no valor de cerca de 20 mil euros da conta do pai e que desapareceu o ouro deixado pela mãe, Joaquina das Dores Moreira Pacheco, falecida em outubro de 2024. Maria da Conceição, que vivia com os pais e cuidava deles, está desempregada há vários anos, depois de ter trabalhado como cozinheira num lar.
Testemunhas do casamento são familiares próximos
A cerimónia contou com três testemunhas: a irmã da noiva, Maria Manuela Moreira Pacheco de Lima, o namorado desta, Domingos de Magalhães Pires, e a nora de Maria da Conceição, Maria da Fátima Freitas de Sousa. Nenhuma das testemunhas alertou a conservatória para o parentesco entre os noivos.
A caixa de correio da casa da família ainda exibe os nomes do pai, da falecida mãe e da filha que agora figura também como esposa. Apesar das insistentes tentativas do JN em contactar os residentes da casa, ninguém respondeu aos toques na campainha.
Conflitos familiares e tensão na comunidade
Moradores da pequena localidade de Fermil relataram ao JN um ambiente tenso e descrito como “conflituoso” entre os membros da família Lima. Nenhum vizinho quis ser identificado, temendo represálias. Há relatos de confrontos durante festas familiares, incluindo um episódio na Páscoa, em que a família se envolveu em discussões enquanto o padre fazia a visita pascal.
Outra irmã da noiva, que recentemente voltou a viver na casa familiar, terá sido vítima de violência doméstica e apresenta queimaduras graves. “Não quero nada com essa gente”, confessou uma vizinha, revelando ter sido ameaçada apenas por olhar para um dos membros da família ao passar na rua.
Apesar dos relatos negativos, a irmã que apresentou a queixa ao Ministério Público mostrou-se cordial na conversa com o JN, embora tenha admitido: “Não podemos escolher a família em que nascemos”.
Juristas confirmam ilegalidade do casamento
Apesar de o incesto entre adultos não ser considerado crime em Portugal, o casamento entre pai e filha é expressamente proibido pelo artigo 1602.º do Código Civil, que estabelece os impedimentos dirimentes relativos ao casamento. Entre estes, encontra-se o “parentesco na linha reta”.
A advogada Conceição Ruão afirmou ao JN que “houve um erro da conservatória, que não identificou convenientemente os nubentes”, e que a união deve ser anulada judicialmente. A jurista acrescenta que os noivos e as testemunhas poderão ser responsabilizados pelo crime de falsas declarações, por não terem revelado a relação de parentesco.
O especialista em direito de família Nuno Cardoso-Ribeiro, presidente da Associação dos Advogados de Família e das Crianças, reforça que “em Portugal, o casamento entre pai e filha é legalmente nulo” e que só pode ser anulado mediante ação apresentada pelo Ministério Público ou por familiares diretos.
Casamento poderá ser anulado pelo tribunal
Caso o Ministério Público ou os herdeiros avancem com a ação de anulação, será o tribunal a decidir. Enquanto isso, o casamento permanece registado, com todos os seus efeitos legais suspensos ou em risco de nulidade.
Este caso insólito levanta questões graves sobre a atuação dos serviços do Registo Civil e sobre os mecanismos de controlo nas celebrações matrimoniais em Portugal.
Toda a informação desta notícia é baseada na reportagem publicada pelo Jornal de Notícias.